Por Leonardo Leite
A célebre frase de Sócrates tornou-se um símbolo de sabedoria ao longo dos séculos, mas talvez seja (também) uma das principais demonstrações da conquista da maturidade por parte dos advogados corporativos.
O direito, a liberdade e a consciência de que não temos (e de que nem seria possível) todas as “respostas” é extremamente importante. E é bom que seja assim.
A conhecida citação “Só sei que nada sei. E o fato de saber isso me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa” é tão importante quanto libertadora. E é também uma conquista.
O chamado mundo “Vuca”, que muda e se transforma o tempo todo, cada vez mais dinâmico, vem provocando a repetição de um outro pensamento que em versão livre ensina algo como: “Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas”.
Há muitos anos, e também utilizando um pensamento extremamente importante e conhecido, venho repetindo aos meus alunos e leitores que o que gere e “move” o mundo não são as respostas, mas as perguntas. E que o “grande segredo” do sábio é saber fazer as “perguntas certas”.
Costumamos “descobrir” com a idade e as experiências da vida que os jovens em geral têm muitas certezas e respostas, e que os mais “vividos” tem mais perguntas e vontade de aprender.
O mundo em geral, e o corporativo em particular, acostumou-se com a expectativa de que os advogados tenham respostas, em função da presunção de que muito leem e estudam, e de que conhecem as leis e o Direito.
Ainda que de fato precisemos (como muitas outras profissões também exigem) estudar “a vida toda” e “Muito”, a verdade é que nunca será o suficiente.
Advogados costumam ser treinados para responder, para encontrar alternativas para os clientes (internos ou externos) – e para resolver questões e problemas.
E de alguma forma todos nós (toda a sociedade) nos acostumamos a esse padrão.
Se por muito tempo esse pensamento de que os advogados “tudo deveriam saber”, os tempos mudaram. E evoluímos.
A própria expressão utilizada para a “conversa” ou o “contato” cliente-advogado, geralmente chamada de “consulta”, já pressupõe que o advogado procurado aconselhe. Sempre.
De fato, esse é um importante e grande aspecto do nosso trabalho, e há mesmo o pressuposto de que por conhecermos as leis tenhamos condições de responder as consultas jurídicas com o recurso do conhecimento e da memória, mas por vezes pode ser necessário uma reflexão complexa (frequentemente profunda) antes de se chegar à resposta.
Nem sempre teremos as respostas prontas e isso pode ser muito positivo.
A proposta deste breve artigo é a de que busquemos juntos uma conscientização de advogados, de executivos e da sociedade em geral, em benefício de todos e, como resultado, de respostas melhores.
Mudanças de cultura por vezes são desafiadoras, e levam um certo tempo, mas neste caso é fundamental que todos nos dediquemos a essa evolução que é também libertadora.
Esse “mindset” antigo (de estarmos sempre prontos para responder “na hora”) tem dominado nossa forma de ser, de pensar, de trabalhar e de agir há muito tempo. Tornou-se “parte de nós”.
A tradicional realidade de “termos as respostas”, gerou a necessidade de sermos bem informados, e de procurarmos planejar e controlar muita coisa.
Muita gente ainda vê os advogados mais conservadores e tradicionais como formais, extremamente sisudos, controladores – e talvez até “antigos”.
A advocacia corporativa moderna é bem diferente da tradicional, e esse é justamente um dos motivos pelos quais se vem tornando mais estratégica. Está saindo “da caixa”.
O mundo (inclusive o corporativo) tornou-se mais dinâmico, mais complexo, mais desafiador, e a pergunta que atualmente se faz aos advogados corporativos dificilmente é simples – e raramente se limita a conhecer a lei, a jurisprudência a doutrina ou mesmo o Direito.
As respostas simples, e baseadas “apenas” nesses aspectos, em geral pode agora ser rapidamente obtida junto a “softwares”, sistemas, robôs e com a ajuda da tecnologia. As complexas e as ligadas a assuntos originais não.
Estamos chegando ao momento de que “qualquer boa máquina” (se bem “alimentada”) poderá responder consultas jurídicas simples, e as complexas serão endereçadas aos advogados.
A advocacia automatizada e eletrônica, destinada cada vez mais a “softwares” e robôs, talvez possa ser definida como um conjunto de informações, e de precedentes, com base nos quais se procura obter respostas (idealmente rápidas e baratas).
A melhoria desses sistemas e a inteligência artificial tendem a viabilizar esse objetivo de muitos, para o que for simples e repetitivo.
Questões novas e mais complexas, porém, seguirão precisando de mentes humanas, de experiência de vida e da “humildade” do sábio.
Esse é, cada vez mais, o verdadeiro diferencial positivo dos profissionais mais experientes e melhor preparados.
Colegas mais “vividos” tem percebido ao longo dos anos que o “saber tudo” é impossível, é irreal e não é “boa ideia”.
Aprendemos, na mesma linha, que cada vez mais precisamos de mais flexibilidade e mais criatividade, de mais inteligência emocional, de de toda a gama de “soft skills”.
Justamente por esse conjunto de constatações da advocacia corporativa é que tantos ajustes e acúmulos de competências adicionais são necessários.
O mundo mais complexo demanda de maneira crescente e desafiadora, profissionais mais modernos e complexos, preparados para os desafios do Século XXI. Que são cada vez mais “novos” e não “pensados” anteriormente.
Mais e mais será esse o caminho da advocacia corporativa estratégica.
Em situações digamos “normais”, o antigo “juris consulto” costumava entender bem o que estava acontecendo logo “de cara”; e em geral encontrava rapidamente as respostas para os assuntos que lhe eram trazidos. Ao ser perguntado, respondia a dúvida apresentada e satisfazia seus clientes.
A maioria das consultas era “mais ou menos” padrão e várias delas (eram) até “repetitivas”. “Foi” assim… Por muito tempo.
Atualmente, em quase todos os ramos do Direito e da advocacia, as questões são cada vez mais desafiadoras, mais complexas, e mais inusitadas. As perguntas “novas” costumam ser originais e exigir muito mais sabedoria e conhecimento do que “apenas” informação.
Havia, dessa forma, muita repetição. E o processo poderia ser mais “otimizado”.
Por muito tempo as principais questões apresentadas aos advogados eram baseadas “apenas” em Direito, e foi esse inclusive um dos pontos que os criadores e operadores de tecnologia dedicada ao tema perceberam quando começaram a automatizar grande parte do trabalho jurídico.
Constatou-se, portanto, nos últimos anos que se o Direito tradicional (e repetitivo) pode ser em grande parte “digitalizado” e automatizado, a advocacia corporativa complexa não.
Entre outras conquistas, esse aprendizado “devolveu” aos advogados mais seniores e experimentados o lugar que muitos achavam que seria relegado de forma massificada às máquinas, e também o “direito” de não saber tudo “automaticamente”.
Temos (todos) que entender essa mudança (e seus reflexos e impactos) na realidade, nas demandas e na nossa forma de trabalhar. Aceitando ajustes e preparando-nos para uma era de mudanças que apenas começou.
O que for mais tradicional, repetitivo e baseado “apenas” em Direito, por vezes pode mesmo ser automatizado. É a realidade atual.
Do outro lado, o que for mais complexo e que exija efetiva reflexão e criatividade, visão global e experiência não é replicável – e nem “automatizável”.
São essas questões mais desafiadoras e efetivamente “novas” que terão cada vez mais valor. E que serão cada vez mais estratégicas.
Todos se acostumaram ao modelo anterior, advogados, executivos nas empresas, clientes e sociedade em geral. Chegou a ser, até, confortável.
Talvez tenha chegado a hora de, porém, ajustarmos essa característica – e de nos permitirmos “ousar”; mudar um pouco esse cenário e divulgarmos essa nova cultura.
Novidades inesperadas/não antecipadas (como a pandemia do Covid 19 mostrou), não eram sequer imaginadas por nós que, logicamente, não estávamos preparados para tudo o que “apareceu”.
As questões e os desafios jurídicos não eram conhecidos, razão pela qual os “sistemas” não estavam preparados para responder.
Ao longo do período “da pandemia”, muitas e muitas dúvidas apareceram, e as respostas demoravam cada vez mais a surgir, pois ninguém estava preparado. Não havia protocolo, planejamento, sistema, metodologia e forma definida de ser reagir ao que se colocava a todo momento.
Tudo era novo, e só tínhamos perguntas – numa demonstração clara de que o “mundo Vuca” está cada vez mais em voga e que a frase de Sócrates é cada vez mais sábia e verdadeira.
Essa angústia (de não termos respostas prontas) ensinou-nos muito e nos fez, também, mais resilientes e flexíveis.
Os temas e os assuntos (por exemplo no contexto na pandemia) foram surgindo de “todos os cantos”, a todo momento, e sob todos os prismas, exigindo rapidez de análise e de reação, e ainda um misto da necessária cautela e da urgência de muitos casos.
Algumas empresas e até governos tinham comitês de crise mais estruturados, mas mesmo esses não estavam prontos para algo realmente novo e sem precedentes. Ninguém estava pronto!!
Agora já se fala em estruturar procedimentos para emergências, pois aprendemos que elas continuarão aparecendo, cada vez mais desafiadoras e frequentes, e vindas de onde menos esperarmos.
Por mais complexo que provavelmente seja esse cenário para os advogados, uma sugestão que se impõe é aceitarmos que nem sempre temos (ou teremos) as respostas prontas, e que muitas vezes isso pode ser não apenas necessário como positivo.
Aceitar essa situação e ver o seu lado positivo, contendo a ansiedade e o hábito de responder – que é também uma expectativa que executivos e clientes precisam rever, é sinal de maturidade.
Em breve chegaremos ao momento em que advogados corporativos que conheçam apenas o Direito, e que respondam às questões recebidas apenas sob o ponto de vista exclusivamente jurídico técnico, perderão espaço. E (esperamos) todos conquistarão o direito de não ter respostas prontas.
Preparemo-nos para aceitar que resistir à tentação de “saber tudo” e de responder “de imediato” já é “coisa do passado” e é sinal de maturidade e de sabedoria.
O advogado estratégico será cada vez mais o que não tem as respostas prontas, mas que com base na sua experiência, conhecimento, senioridade, histórico de vida e criatividade, saberá refletir sobre os pontos centrais, e formular as perguntas (certas), saberá avaliar as situações sob diversos aspectos, buscará as reflexões necessárias e (na sequência) encontrará as respostas.
Novos tempos chegaram. Uma nova advocacia corporativa também!
Biografia do Autor

Leonardo Barém Leite é advogado em São Paulo, especializado em negócios e em advocacia corporativa, sócio sênior da área empresarial de Almeida Advogados, com foco em contratos e projetos, societário, governança corporativa, “Compliance”, fusões e aquisições (M&A), “joint ventures”, mercado de capitais, propriedade intelectual, estratégia de negócios, infraestrutura e atividades reguladas.
Formado em Direito pela Universidade de São Paulo (“São Francisco”) com especialização em direito empresarial, pós graduado em administração e em economia de empresas pela EAESP-FGV/SP, bem como em Gestão de Serviços Jurídicos pela mesma instituição. Pós-graduado em “Law & Economics” pela Escola de Direito da FGV/SP, especializado em Direito Empresarial pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) e em Conselho de Administração pelo IBGC/SP. Mestre em “Direito Norte Americano e em Jurisprudência Comparada” pela “New York University School of Law” (NYU/EUA). É membro de diversos conselhos de instituições brasileiras e internacionais, autor de diversas obras sobre gestão jurídica estratégica e direito empresarial, professor em cursos de pós-graduação. Integra várias comissões e comitês de advocacia corporativa em São Paulo e em outros estados. É professor em cursos de especialização em Gestão Estratégica de Departamentos Jurídicos de Empresas na FIA e na FAAP, em São Paulo, e autor de livros sobre o assunto. Foi sócio do escritório Demarest e Almeida – Advogados onde atuou por mais de 20 anos, e também advogado estrangeiro no escritório Sullivan & Cromwell em NY e na Europa nos anos 1990.